Eu juro que já escrevi coisa melhor.
O que você procura
em um parceiro? Te deixaria satisfeito em saber que a pessoa do seu lado te
ama? Ou que ela é contra as coisas que você acredita? O que te faria exaltar de
felicidade? Tônia se perguntava ao menos uma vez na semana todas essas coisas.
Além de como saberá se é o certo. Haveria um sinal no céu na hora em que
encontrá-lo? Para Tônia o amor não passava de uma história pra boi dormir
inventada para alienar o povo de uma convicção que, para ela, não existia. A
convicção de que, não importa o tempo que demorasse, alguém um dia apareceria
na vida dela. E, com toda a sua alma, Tônia era cética sobre isso.
Ela acordou em uma
manhã cinzenta com vontade de permanecer na cama. Abriu os olhos e praguejou a
necessidade de se levantar. Uma hora depois ela estava pronta para sair de
casa. Teria de enfrentar a chuva como um exército de uma mulher só. Ela foi.
Encarou de peito aberto. Quando chegou à estação de metrô da cidade, ela não
tinha mais que uns fios de cabelo molhados e uma expressão de tédio no rosto.
Não conseguiu um
lugar para se sentar. Procurou um espaço longe das pessoas que se acumulavam perto
das portas de saída. A sorte dela era que sua estação de descida era uma das
últimas, quando o metrô já estava mais vazio. Segurou-se em uma barra e ficou
olhando o borrão do lado de fora através do vidro da janela. Ela não saberia
responder a quanto tempo estava nessa rotina irritante. Talvez pensasse Desde sempre! e respondesse isso com uma
espontaneidade legítima. Porque era assim que ela tinha imaginado, anos atrás,
quando entrou na faculdade de Administração. E o caminho que se seguiu foi o
mais natural. Sem perigos ou imprevistos. Morava sozinha, não tinha namorado e
nem família, se sustentava, e vivia a monotonia santa de cada dia, um dia de
cada vez.
Mas ao descer na
plataforma 10 naquele dia, a mais perto do escritório que ela trabalhava, se
sentiu diferente. Um arrepio correu a extensão de sua coluna e fez sacudir o
esqueleto. Seu olhar capturou um homem subindo as escadas rumo à superfície.
Ele tinha um brilho especial, uma áurea brilhante que emanava doçura e sugava
qualquer atenção que ela tentasse dar aos pensamentos secundários que agora
tentavam roubar a cena em sua cabeça. Em 5 anos de trabalho ela nunca havia
faltado um sequer. Ponderou prós e contras, mas, mesmo que os ‘contra’ ganhassem
a votação, ela iria atrás do garoto brilhante. E subiu, correndo e quase
caindo, o mesmo caminho do garoto.
Ao emergir, ela se
deparou com um céu claro e sem nuvens. Procurou ao redor e reconheceu o brilho
viciante do rapaz. Andou em sua direção, tentando não parecer que o seguia, nem
ao menos que estava interessada. Ele esperava que o sinal de pedestres ficasse
verde, o que aconteceu quando Tônia ficou ao seu lado. Ele começou a andar e
por um segundo Tônia pareceu ser arrastada por uma força maior que a gravidade,
mas na direção dele.
Os cabelos curtos
davam a impressão de recém-cortados. Ele poderia estar saindo do cabeleireiro.
As mechas bronze balançavam com o andar apressado dele, exigindo que Tônia caminhasse
com pressa. Os sapatos não ajudavam. A pasta muito menos. A saia de cintura
alta pior ainda. Mas o mal feito de se vestir como uma velha já estava feito.
Ela tinha que se conformar. O brilho de luz fluorescente branca que emanava
dele era quase mágico. Tinha feito Tônia faltar o trabalho, só podia ser
de outro mundo.
Ele entrou em um
beco. Não estava escuro, mas ainda assim ela se assustou quando duas mãos a
seguraram pela boca, prendendo um grito, e a empurraram conta a parede. O
menino ruivo tinha olhos ferozes e chateados. E cor de mel. Tônia parou de se
debater no momento em que se encararam. “Está me seguindo?” Ele cuspiu as palavras na cara
dela. O brilho se intensificou, mas ele não parecia poder controlar o seu poder
de estrela. “Quero saber por que está me seguindo.” Ele gritou, ordenando.
Destampou a boca dela e um fino fio de voz saiu da boca de Tônia com uma
verdade tão impressionante e nova que ela quase não acreditou.
“Seu brilho é
lindo.” Se sentiu uma idiota nos segundo seguinte a afirmação porque o ruivo
riu. Gargalhou de sua resposta. E ela ficou com cara de banana, esperando uma
máquina do tempo para anular aquele embaraço.
“Mas eu não brilho,
senhora.” Ele falou soltando Tônia da parede. Ela se recompôs como pode. “A
senhora deve ter problema de visão.” Ele vestia uma bermuda azul escuro com uma
regata branca. Calçava chinelos.
“Não me chame de
senhora. Só tenho 23 anos.” Ela reclamou, mas ele não deu atenção. “Tônia.” Estendeu
a mão para ele. Ele pegou a mão dela e ficou quase incandescente. Ela cerrou os
olhos.
“Ricardo.” Ele falou.
“Mas você, Tônia ainda não falou porque está me seguindo.”
Ela colocou o peso
do corpo numa perna só. “Você brilha.” Ela terminou. Ele encarou o próprio
corpo, tentando ver o que ela estava vendo. Era uma tentativa inútil para ele. “Eu
consigo ver você brilhando.” Ela se justificou já sentindo o rosto avermelhar. Ele
tinha um sorriso tentador no rosto.
“Claramente pareço
ser especial.” Ele falou alisando a camiseta, cheio de ironia. “Olhe, Tônia,
não sei o que viu em mim pra me seguir.” Ele caminhava para a saída do beco. “A
senhora não parece ser uma ladra.” Ela seguia os passos de Ricardo. Em seus
olhos até as pegadas dele eram brilhantes. Um brilho não duradouro, mas ainda assim
brilho. “E eu não brilho.” Ele fez um gesto como que se desculpando.
Ricardo caminhou
até o meio fio da calçada seguido por Tônia. Ela não saberia explicar. Se
acabava de ter sua primeira paixão à primeira vista não saberia dizer. Só sabia
que seguia porque parecia seguro. Mas se viu proibida a continuar. Enquanto
Ricardo atravessava a rua e sumia distante. Literalmente, porque ela não
conseguia mais vê-lo. Se ele era feito de fumaça, de onde tinha vindo a força? Ela
deu mais três passos para frente cerrando os olhos para conseguir enxergar. E
então uma buzinada. Um flash. E o nada.
...
Seis horas depois,
um médico na UTI do hospital mais próximo ao acidente pronunciava.
“Duas horas e vinte
e três minutos. Hora da morte de Antônia Moreira, vinte e três anos.
Procurar a família e comunicar a morte. Parecia estar indo ao trabalho, mas foi
encontrada longe do que parecia ser seu destino.” Ele suspirou. “Ensinem para
os jovens que olhar os dois lados antes de atravessar a rua é importante, e mesmo assim eles serão
mortos em acidentes banais como esses.” Ele tirou as luvas e depositou sobre a
placa ao seu lado.
Saiu da sala já
lembrando que tinha de comprar pães e ovos.
Moral da História:
Olhe para os lados antes de atravessar a rua e se encontrar alguém brilhando no caminho do trabalho fuja, se afaste dela.