sexta-feira, 15 de junho de 2012

Imprevistos.

Eu juro que já escrevi coisa melhor. 

O que você procura em um parceiro? Te deixaria satisfeito em saber que a pessoa do seu lado te ama? Ou que ela é contra as coisas que você acredita? O que te faria exaltar de felicidade? Tônia se perguntava ao menos uma vez na semana todas essas coisas. Além de como saberá se é o certo. Haveria um sinal no céu na hora em que encontrá-lo? Para Tônia o amor não passava de uma história pra boi dormir inventada para alienar o povo de uma convicção que, para ela, não existia. A convicção de que, não importa o tempo que demorasse, alguém um dia apareceria na vida dela. E, com toda a sua alma, Tônia era cética sobre isso.
Ela acordou em uma manhã cinzenta com vontade de permanecer na cama. Abriu os olhos e praguejou a necessidade de se levantar. Uma hora depois ela estava pronta para sair de casa. Teria de enfrentar a chuva como um exército de uma mulher só. Ela foi. Encarou de peito aberto. Quando chegou à estação de metrô da cidade, ela não tinha mais que uns fios de cabelo molhados e uma expressão de tédio no rosto.
Não conseguiu um lugar para se sentar. Procurou um espaço longe das pessoas que se acumulavam perto das portas de saída. A sorte dela era que sua estação de descida era uma das últimas, quando o metrô já estava mais vazio. Segurou-se em uma barra e ficou olhando o borrão do lado de fora através do vidro da janela. Ela não saberia responder a quanto tempo estava nessa rotina irritante. Talvez pensasse Desde sempre! e respondesse isso com uma espontaneidade legítima. Porque era assim que ela tinha imaginado, anos atrás, quando entrou na faculdade de Administração. E o caminho que se seguiu foi o mais natural. Sem perigos ou imprevistos. Morava sozinha, não tinha namorado e nem família, se sustentava, e vivia a monotonia santa de cada dia, um dia de cada vez.
Mas ao descer na plataforma 10 naquele dia, a mais perto do escritório que ela trabalhava, se sentiu diferente. Um arrepio correu a extensão de sua coluna e fez sacudir o esqueleto. Seu olhar capturou um homem subindo as escadas rumo à superfície. Ele tinha um brilho especial, uma áurea brilhante que emanava doçura e sugava qualquer atenção que ela tentasse dar aos pensamentos secundários que agora tentavam roubar a cena em sua cabeça. Em 5 anos de trabalho ela nunca havia faltado um sequer. Ponderou prós e contras, mas, mesmo que os ‘contra’ ganhassem a votação, ela iria atrás do garoto brilhante. E subiu, correndo e quase caindo, o mesmo caminho do garoto.
Ao emergir, ela se deparou com um céu claro e sem nuvens. Procurou ao redor e reconheceu o brilho viciante do rapaz. Andou em sua direção, tentando não parecer que o seguia, nem ao menos que estava interessada. Ele esperava que o sinal de pedestres ficasse verde, o que aconteceu quando Tônia ficou ao seu lado. Ele começou a andar e por um segundo Tônia pareceu ser arrastada por uma força maior que a gravidade, mas na direção dele.
Os cabelos curtos davam a impressão de recém-cortados. Ele poderia estar saindo do cabeleireiro. As mechas bronze balançavam com o andar apressado dele, exigindo que Tônia caminhasse com pressa. Os sapatos não ajudavam. A pasta muito menos. A saia de cintura alta pior ainda. Mas o mal feito de se vestir como uma velha já estava feito. Ela tinha que se conformar. O brilho de luz fluorescente branca que emanava dele era quase mágico. Tinha feito Tônia faltar o trabalho, só podia ser de outro mundo.
Ele entrou em um beco. Não estava escuro, mas ainda assim ela se assustou quando duas mãos a seguraram pela boca, prendendo um grito, e a empurraram conta a parede. O menino ruivo tinha olhos ferozes e chateados. E cor de mel. Tônia parou de se debater no momento em que se encararam. “Está me seguindo?” Ele cuspiu as palavras na cara dela. O brilho se intensificou, mas ele não parecia poder controlar o seu poder de estrela. “Quero saber por que está me seguindo.” Ele gritou, ordenando. Destampou a boca dela e um fino fio de voz saiu da boca de Tônia com uma verdade tão impressionante e nova que ela quase não acreditou.
“Seu brilho é lindo.” Se sentiu uma idiota nos segundo seguinte a afirmação porque o ruivo riu. Gargalhou de sua resposta. E ela ficou com cara de banana, esperando uma máquina do tempo para anular aquele embaraço.
“Mas eu não brilho, senhora.” Ele falou soltando Tônia da parede. Ela se recompôs como pode. “A senhora deve ter problema de visão.” Ele vestia uma bermuda azul escuro com uma regata branca. Calçava chinelos.
“Não me chame de senhora. Só tenho 23 anos.” Ela reclamou, mas ele não deu atenção. “Tônia.” Estendeu a mão para ele. Ele pegou a mão dela e ficou quase incandescente. Ela cerrou os olhos.
“Ricardo.” Ele falou. “Mas você, Tônia ainda não falou porque está me seguindo.”
Ela colocou o peso do corpo numa perna só. “Você brilha.” Ela terminou. Ele encarou o próprio corpo, tentando ver o que ela estava vendo. Era uma tentativa inútil para ele. “Eu consigo ver você brilhando.” Ela se justificou já sentindo o rosto avermelhar. Ele tinha um sorriso tentador no rosto.
“Claramente pareço ser especial.” Ele falou alisando a camiseta, cheio de ironia. “Olhe, Tônia, não sei o que viu em mim pra me seguir.” Ele caminhava para a saída do beco. “A senhora não parece ser uma ladra.” Ela seguia os passos de Ricardo. Em seus olhos até as pegadas dele eram brilhantes. Um brilho não duradouro, mas ainda assim brilho. “E eu não brilho.” Ele fez um gesto como que se desculpando.
Ricardo caminhou até o meio fio da calçada seguido por Tônia. Ela não saberia explicar. Se acabava de ter sua primeira paixão à primeira vista não saberia dizer. Só sabia que seguia porque parecia seguro. Mas se viu proibida a continuar. Enquanto Ricardo atravessava a rua e sumia distante. Literalmente, porque ela não conseguia mais vê-lo. Se ele era feito de fumaça, de onde tinha vindo a força? Ela deu mais três passos para frente cerrando os olhos para conseguir enxergar. E então uma buzinada. Um flash. E o nada.
...
Seis horas depois, um médico na UTI do hospital mais próximo ao acidente pronunciava.
“Duas horas e vinte e três minutos. Hora da morte de Antônia Moreira, vinte e três anos. Procurar a família e comunicar a morte. Parecia estar indo ao trabalho, mas foi encontrada longe do que parecia ser seu destino.” Ele suspirou. “Ensinem para os jovens que olhar os dois lados antes de atravessar a rua é importante, e mesmo assim eles serão mortos em acidentes banais como esses.” Ele tirou as luvas e depositou sobre a placa ao seu lado.
Saiu da sala já lembrando que tinha de comprar pães e ovos.
Moral da História: Olhe para os lados antes de atravessar a rua e se encontrar alguém brilhando no caminho do trabalho fuja, se afaste dela. 

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